terça-feira, 30 de dezembro de 2008

saemi.

uma garotinha.
apenas quinze anos.
lutando contra o mundo, e contra si mesma.
lutando contra a ânsia de provar os lábios de pietra, lutando contra a aparente anomalia de seu ser.
quase uma interiorana, inocente e cheia de preconceitos.
e então, ela apareceu. saemi.
nipo-descendente, magra, alta, altiva e lânguida.
sua primeira aparição, uma tarde nublada de janeiro ou fevereiro.
parada, do outro lado da rua, esperando que o semáforo lhe fosse favorável, para poder atravessar, e seguir seu caminho.
cena de filme. o vento, soprando repentinamente, brincando com seus cabelos negros. um único raio de sol, justamente sobre sua figura esguia, vestida desleixadamente, como um garoto.
e ela atravessou, enfim, e desapareceu como um fantasma. sem nome, sem endereço, sem personalidade.
o coração da pequena em desespero, batendo descompassado, perdido em devaneios amorosos sobre a figura que vislumbrara tão fugazmente.
...
uma casa noturna. saemi, novamente.
a pequena já estava um tanto alcoolizada, cercada por pessoas vulgares e sem nada a lhe acrescentar. mas ela simplesmente não sabia de tais fatos. apenas aproveitava o botão de sua imatura adolescência.
do pulso, escorria um pequeno filete de sangue, obra sua, brincando de mutilar-se com uma navalha.
perguntou o nome do anjo que lhe assombrava, logo o soube, o nome que lhe ficaria tatuado na memória eternamente; saemi queria conhecer o lugar, mas sentia-se deslocada.
a pequena, cheia de coragem insuflada pela bebida, tomou a pequeníssima, alva e delicada mão de saemi, e a levou para conhecer aquele antro de jovens perdidos. saemi não mais retornou àquele lugar, mas sua aura entorpecente continuou pairando por lá durante semanas...
...
'por deus, ela é minha vizinha!'- pensou a pequena, em êxtase.
ela encontrava saemi quase diariamente, e nem tinha idéia da personalidade daquela boneca-gueixa.
rejeitava ferozmente o que lhe diziam, que sua adorada saemi entregava-se à amores impuros como os que lhe inspirara. ela sequer tinha coragem suficiente para se aproximar um pouco mais da sua adorada.
depois, pôde conhecer o âmago boêmio daquela que lhe inspirara as mais belas poesias, mas ainda assim o encanto não se desvaneceu jamais.
guardou um maço de cigarros meio-vazio, uma página de agenda, como as mais preciosas relíquias, e insistia em não aceitar o que sentia, e sequer pensar em macular a santidade profana da sua deusa.
então, saemi desapareceu, definitivamente. para longe demais, onde sequer seus sonhos a alcançariam.
anos depois, reviu de relance, saemi, braços dados com um rapaz insípido.
o sentimento enterrado se reavivou.
saemi ainda é um fantasma, mas terá eternamente seu lugar insubstituível no coração daquela que outrora negou o que era, e graças à ela, tempos depois, obrigou-se à aceitar.
onde estará saemi?

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